quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Augusto dos Anjos - Biografia


Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu com seu pai, bacharel, as primeiras letras. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano, já sendo dado como doentio e nervoso por testemunhos da época. De uma família de proprietários de engenhos, assiste, nos primeiros anos do século XX, à decadência da antiga estrutura latifundiária, substituída pelas grandes usinas. Em 1903, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em 1907. Ali teve contato com o trabalho "A Poesia Científica", do professor Martins Junior. Formado em direito, não advogou; vivia de ensinar português. Casou-se, em 04 de julho de 1910, com Ester Fialho. Nesse ano, em conseqüência de desentendimento com o governador, é afastado do cargo de professor do Liceu Paraibano. Muda-se para o Rio de Janeiro e dedica-se ao magistério. Lecionou geografia na Escola Normal, depois Instituto de Educação, e no Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, sem conseguir ser efetivado como professor. Em 1911, morre prematuramente seu primeiro filho. Em fins de 1913 mudou-se para Leopoldina MG, onde assumiu a direção do grupo escolar e continuou a dar aulas particulares. Seu único livro, "Eu", foi publicado em 1912. Surgido em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativo do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. Praticamente ignorado a princípio, quer pelo público, quer pela crítica, esse livro que canta a degenerescência da carne e os limites do humano só alcançou novas edições graças ao empenho de Órris Soares (1884-1964), amigo e biógrafo do autor.

Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me"), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético ("Ai! Um urubu pousou na minha sorte"). A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa"). Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais, / Viver na luz dos astros imortais").

A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do "Eu" - desde 1919 constantemente reeditado como "Eu e outras poesias" - um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina em 12 de novembro de 1914

O Fim das Coisas

Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo do orbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio...

E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!

(Augusto dos Anjos)

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante

Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
(Vinícius de Moraes)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Os vivos e os mortos

  Como povos de todo o mundo lidam com a morte

       Não usar preto num funeral parece falta de respeito com falecido. O preto reflete o luto e a solenidade de tão sombria ocasião mas este costume nasceu por um motivo bem diferente – não por respeito, mas antes por simples receio do morto.
       Nossos antepassados acreditavam que o fantasma só falecido ficava perto do cadáver e se sentia tão solitário que era capaz de tentar agarrar um dos vivos para arranjar companhia, se houvesse oportunidade. Poucos queriam sofrer esse destino, e por isso todos se vestiam das mesmas cores escuras para não chamar a atenção.

       Para evitar problemas

        O medo dos fantasmas ditou vários costumes curiosos. Nos funerais dos índios norte-americanos, o parente mais próximo do falecido escapulia mais cedo, enquanto o fantasma ainda observava a cerimônia, para evitar ser apanhado. Nos funerais dos índios Sacs ou Fox, os parentes tinham o cuidado de pôr alguma comida ou peça de roupa na sepultura, o que evitava que o espírito aparecesse da noite para cobrar as oferendas. 
 Em algumas partes do mundo, o corpo sai do velório por uma janela e não pela porta; desse modo, espera-se confundir o fantasma e evitar que ele encontre o caminho de volta para casa. E na China, os acompanhantes costumam explodir pequenas bombas no regresso de um funeral para repelir o espírito do falecido.
        A ideia foi levada ao extremo pelo povo Yakut, da Sibéria. Entre eles, a pessoa que estava morrendo tinha a comida mais requintada e o melhor lugar na festa do seu funeral antes de ser levada e enterrada viva.  
       Alimentos e bens – até um cavalo para facilitar a viagem para o outro mundo – eram enterrados com ela, de modo a não ter justificativa para regressar a casa. As roupas pretas dos funerais da Europa e da       América atualmente não são as únicas lembranças deste antigo e profundo medo dos mortos. As moedas que os agentes funerários punham nos olhos dos cadáveres não serviam só para mantê-los fechados, eram o preço da passagem do espírito para o outro mundo.
        E se as orações fúnebres parecem demasiado lisonjeiras para o falecido, pode ser por algo mais do que um desejo de prestar homenagem. Talvez ainda partilharemos o antigo receio inconsciente de que em algum lugar próximo ouvidos inversíveis mas atentos estão escutando cada palavra. 



Fonte: Você sabia? - Reader's Digest